sexta-feira, 14 de setembro de 2007



Chamo a atenção para tal entrevista porque verifiquei que a mesma “passou despercebida”, talvez, por não ter sido politicamente correcta.

Convoco os leitores a imaginarem um jornal Inglês tecer tais considerações.


ATENÇÃO Há partes que transcrevo que só estão na edição em papel


JN: Que imagem pensa que deixou?


Dra. Amália Morgado: “Sei que nem todos os meus colegas nutrirão por mim sentimentos de simpatia. Sei também, que fui alvo de grandes polémicas neste Tribunal e que a nível superior senti algumas pressões, sobretudo, no período em que fui Presidente do Tribunal, pelo facto de, entre outras coisas, ter diligenciado por várias alterações à prática processual instalada o que não foi, de todo, do agrado de alguns dos magistrados. Mas também sei que fiz tudo da forma o mais rigorosa e objectiva possível e que até hoje, embora tendo sido alvo de várias participações e até de um processo disciplinar, nunca me foi aplicada qualquer sanção."


JN: Qual a preocupação fundamental papel mais importante do juiz de instrução criminal? Há o lado da protecção dos direitos, liberdades e grantias e do auxilio à investigaçã, promoção da justiça...


Dra. Amália Morgado "Em primeiro lugar a defesa dos direitos, liberdades e garantias. Depois, o Juiz de Instrução Criminal, não é o acusador nem o defensor público. Se não for a figura imparcial, não estará a cumprir a sua função. Sempre que puder colmatar qualquer falha na investigação, pode fazê-lo, mas o papel do juiz de instrução é essencialmente de defesa dos direitos, liberdades e garantias."


JN:Sente que os seus conceitos têm receptividade junto dos outros operadores da justiça?


Dra. Amália Morgado "Sinto que quem vem aqui e me passa pelas mãos em termos processuais gosta de ser esclarecido. Eu dou-me ao trabalho de explicar por que tomo as decisões e não me limito apenas a tomá-las. Reagem bem à minha maneira de trabalhar. quanto aos outros operadores nem sempre é com agrado que vêem a minha prática processual. Designadamente outros magistrados que não sigam esta vertente. No TIC, agora, somos seis magistrados. Quando para aqui vim havia uma prática instalada de recurso às chamadas "chocas". Os processos, principalmente nos dias de turno, já vinham para o juiz com uma "choca"(que sem qualquer apreciação judicial prévia, autorizava escutas, buscas, reexaminava os pressupostos da prisão preventiva, negava qualquer substituição de medidas coactivas, etc....), e ao que pude constatar era via de regra, assinada pelo juiz.


JN: "Choca"? Um despacho padrão, pré-definido?


Dra. Amália Morgado "Exacto. Cada vez que aparecia, por exemplo, um processo de escutas, o funcionário adequava a "choca" (uma espécie de despacho geral e abstracto) àquele processo, colocando o nome e número de telefone indicados e o juiz, só tinha de rubricar a dita "choca". Estávamos de alguma forma a pôr para cima dos funcionários a "responsabilidade" da decisão e de colocar no processo a "choca" certa, para além deste sistema ser totalmente omisso e cego às questões de fundo e permitir, como permitia, as mais diversas vicissitudes. Mas isto desprovia de sentido o que estamos aqui a fazer, pelo que desde logo manifestei desacordo com tal prática e no meu juízo, foram banidas as "chocas".


JN: Pensa que conseguiu fazer vingar a sua visão quanto às tais "chocas", por exemplo?


Dra. Amália Morgado "Penso que não, mas cada um é responsável pelo que faz e assina. Eu não concordava com prática, e como tal deixei de a seguir.


JN: E que polémica recorda?


Dra. Amália Morgado "Ainda me lembro da grande polémica que levantei porque me apareceu um processo para eu validar uma transcrição de escutas telefónicas. Eu perguntei onde estão as cassetes para eu ouvir e responderam-me: "as cassetes? Estão na Policia Judiciária, nunca vêm ao tribunal!" Mas como é que valido uma transcrição de escutas, sem ouvir a gravação? Isto foi na altura, perturbadora e levantou grande polémica. Contudo, eu, ao não aceitar esta prática, era severamente criticada e eu sofria grandes pressões.


JN: Em especial a Policia Judiciária...


Dra. Amália Morgado "Não só mas também. A PJ estava habituada a que autorizassem as escutas sempre. Mas eu só autorizava em casos contados (quando Julgava reunidos os legais requisitos) e queria sempre, acompanhar a par e passo. A ideia que me ficava, era de que o Ministério Público se demitia das suas funções, não fazendo qualquer controlo dos pedidos da PJ, promovia exactamente, tudo o solicitado e depois quando não eram autorizados "tomava as dores" da PJ e não concordava com a decisão, tendo chegado a recorrer, mas não viram ser-lhes dada razão. Eu ao alterar aquela prática instalada, ao exigir fundamentos, obriguei a maior investigação e maior empenho, e isso nunca foi bem aceite, a começar pelas policias. Lembro-me que, como eu não autorizava as escutas de animo leve, arranjavam maneira de contornar que os processos para escutas, não passassem por mim. No dia em que eu estivesses de turno, os processos não vinham. Como nem toda a gente tinha as mesmas exigências para que é que eles iam dar-se ao trabalho de pôr a investigação correcta?


JN: A PJ fazia tudo para evitar que os processos lhe fossem parar as mãos?


Dra. Amália Morgado "Exactamente. Quando se faz uma investigação por escuta telefónica há uma grande comodidade do investigador. No entanto também há, segundo penso, uma perda de tempo muito grande, até que se ouça algo de útil. A escuta é um meio excepcional de obtenção de prova e eu via que era o primeiro meio de que se lançava mão. Os processos iniciavam-se logo com o pedido de escutas telefónicas, muitas das vezes sem qualquer elemento que fundamentasse tal pretensão, que, as mais das vezes se escondia atrás de alegada "denuncia anónima", se quer confirmada por qualquer outro meio de investigação. Houve tempos em que cerca de 80% da investigação, começava por escutas. E desses cerca de 75% dos processos terminavam arquivados por não se terem reunidos quaisquer prova, ao fim de muitos meses de escutas. Isto não é uma devassa imensa das pessoas? Há alguma justificação para isso?